terça-feira, 12 de novembro de 2013

Heranças


Eu era seminarista. Não sou mais. Recebi o diploma em uma noite muito linda, uma das mais lindas da minha vida. Meus olhos brilhavam de idealismo. Agora não preciso mais desse diploma. Quando cheguei aqui ninguém me perguntou por ele. Só importava a pureza do que senti naquela noite.


Fui missionária. Quando cheguei aqui ninguém me perguntou quantas pessoas consegui levar para a igreja. Só o que contava era se eu acreditava  mesmo no que dizia, se me dirigia às pessoas com amor, se era com respeito que segurava cada mão que chegava a mim.

Se todos soubessem o que realmente importa... Se todos soubessem que tão pouco é necessário! E que a contabilidade do mundo não encontra nenhuma equivalência aqui! Ah como meus irmãos viveriam mais leves!


Tive uma vida difícil. Tudo foi com muita luta mas era tão importante para mim aquela noite de formatura! Como eu estava feliz quando recebi o diploma, como me emocionei, meu Deus! Meu coração parecia que ia explodir. Me senti incumbida de algo grandioso, magnífico, da missão mais
importante do mundo. Como não se comover?

É, eu era assim. Meu coração... meu coração... queria tanto que as pessoas tivessem podido ver um pouco do meu coração!


Minhas experiências do passado, guarde-as no peito como uma lembrança minha, como conselhos, sopros de cuidado sobre seu rosto. Pense em mim como mãe. Guarde um pouco dessa Alba doce, desses cabelos brancos na sua memória. Lembre do brilho dos meus olhos. Não peço isso porque eu me ache especial. Guarde-me com carinho se eu tiver sido especial para você.

Se puder, conte aos seus filhos algumas das minhas histórias. Use a minha experiência para o seu bem. Se delas você nada souber, pergunte aos que conviveram comigo. Ou não...

Todo esse pouco é só o que pude deixar. Outros bens não tive. Para meus filhos, além do meu amor e dos ternos momentos que passamos juntos, ficam minhas apostilas, livros, anotações, fotos, roupas, pares de brincos, sapatos usados, pentinhos de cabelo e vidros de remédio pela metade.

Sabia que se eu não olhar pra trás não haverá passado?  Se eu não parar para pensar em como foi, é como se nada tivesse havido! É engraçado.

Folhas leves caem sobre meus ombros. Quando respiro fundo, todo o meu ser se renova.






Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos (Roberto Carlos – 1971)


 


Um dia a areia branca
Seus pés irão tocar
E vai molhar seus cabelos
A água azul do mar

Janelas e portas vão se abrir
Pra ver você chegar
E ao se sentir em casa
Sorrindo vai chorar

Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar
De um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade
De ficar mais um instante

As luzes e o colorido
Que você vê agora
Nas ruas por onde anda
Na casa onde mora

Você olha tudo e nada
Lhe faz ficar contente
Você só deseja agora
Voltar pra sua gente

Você anda pela tarde
E o seu olhar tristonho
Deixa sangrar no peito
Uma saudade, um sonho

Um dia vou ver você 
Chegando num sorriso
Pisando a areia branca
Que é seu paraíso