segunda-feira, 9 de julho de 2007

Últimos dias

Da última vez que te vi eras mais filha do que mãe. Estavas deitada, impotente e frágil. Rapidamente olhei teus pés e lembrei deles ainda vigorosos, mergulhados em espumas brancas quando lavavas nossa cozinha.

Acho que o objetivo de nenhuma vida pode ser descoberto. Menos ainda da tua. Esse é um segredo de Deus, guardado dentro da Arca, junto com o maná e a vara de Arão.

Não lembro de ter perguntado se eras feliz. Acho que não. Penso que poucas vezes a felicidade pousou sobre tua cabeça mas jamais admitirias isso.

Mas não seria assim com todos nós?

Mas mais do que tudo, decifrar o sentido de teus últimos dias tem sido o maior dos desafios.
Há meses que esse quebra-cabeça jaz sobre a mesa das minhas reflexões, empoeirado. Olho confusa, levanto e não me animo a mexer em nenhuma peça. Não adianta.

Teus últimos dias não precisavam ter acontecido. Poderias ter morrido sem eles.
Houve alguma purificação? Um arrependimento final? Uma verdade revelada?
Poderias ter vivido sem eles...

Viraste criança, floco de neve, coisa leve que se perde. Foste restos de ti mesma, um suspiro dolorido.

Depois de teus últimos dias passei a me preparar para meus dias últimos. Sempre acho que vou me transformar em você. Olho no espelho e, parece-me, a metamorfose já começou.

Tenho pensado demais no final de todas as coisas e no prosseguir indiferente da humanidade.

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